sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O signo saussuriano.


A análise dos principais aspectos do signo saussuriano será feita a partir das colocações CLG e dos ELG. Apesar de considerar o fato de o primeiro livro ter vindo à tona desde o início do século passado e definido os fundamentos da lingüística saussuriana até o presente momento, tomaremos as considerações do livro atual, elucidando de forma mais profunda os seus pensamentos a cerca da lingüística e seu objeto. Dessa forma, não seria de mais solicitar do leitor a atenção devida quanto a esta fusão de conteúdos porque, provavelmente, em muitos cursos de Letras, as considerações sobre os ELG não estão, ainda, sendo consideradas e, portanto, essas informações não são vigentes para a fundamentação teórica do curso. Porém, que fique claro que, o objetivo maior desse blog é buscar esclarecer um pouco sobre o pensamento saussuriano no que diz respeito à linguagem, e para isso estaremos sempre abordando o CLG, os ELG e seus ensaios sobre fonética do indo europeu. Espera-se, a partir de tal abordagem, que possamos fornecer elementos que auxiliem na compreensão dos fundamentos lingüísticos e da genialidade do mestre de Genebra.

É importante, antes de tudo, compreender que considerou Saussure o signo como uma entidade dicotômica e psicológica . Dicotômica por dividir-se em duas faces; significado e significante. Psicolígica por unir essas duas faces mentalmente. O termo dicotômico advém do grego dichotomía que significa divisão em duas partes, o que desfaz as concepções anteriores para as quais o signo era diático ou triádico. O signo, a partir de Saussure, deixou de ser uma soma de dois ou três termos para se tornar uma divisão de um único e mesmo termo em dois.

Quando postulou o signo como uma entidade puramente psicológica (CLG, 40 e ELG, 24 e 117) que existe dentro de nossa cabeça (ELG, 117) sendo ele uma operação de ordem psicológica simples (ELG, 117) e, ainda, que não é o pensamento quem cria o signo, mas o signo que determina, primordialmente, o pensamento (ELG, 45), foi além, o gênio de Genebra porque rompeu com o que havia de vigente, a esse respeito, até então e lançou novas bases que redefiniram os pensamentos filosófico e psicológico de seu tempo.

A compreensão do signo como uma entidade psíquica, cuja existência é mental, trouxe a conclusão de que o mesmo deixou de ser nominalista, como pretendia Platão, porque passa a inexistir na essência do objeto nomeado. O signo também perdeu sua motivação no objeto dado tornando-se arbitrário. A própria condição de existir apenas na mente humana implica numa condição desvinculada do compromisso ou não com a verdade discursiva de representatividade do universo circundante, como postulavam, respectivamente, Aristóteles e os Sofistas, porque, uma vez mentalista, seu compromisso parece ser com a organização do pensamento em signos para traduzir a idéia do emissor.

Neste ponto, se faz importante destacar que significado; o conceito que se tem do signo e significante; a impressão acústica são fenômenos de ordem psíquica que estão ligados por associação dentro do cérebro e que essa ligação entre ambos é, também, de natureza desmotivada; arbitrária. Inexiste uma motivação no significante para que se ligue ao significado, a não ser pelo convencionalismo social.

É importante estar consiente também de que Significado e significante não podem ser tomados um dissociado do outro. O signo é esta associação indissolúvel entre ambos. O significante diz respeito à imagem mental que se faz quando o ouvido recebe as impressões de uma sucessão de ondas sonoras. Quanto à produção articulatória dos sons é de ordem fonológica ou acústica.
Uma vez mental e arbitrário, o signo pressupõe compartilhamento coletivo, generalidade, exterioridade e coercividade.

A generalidade signica ocorre quando indivíduos de uma mesma comunidade de fala o compartilham. Ele é externo no que diz respeito ao seu uso corrente; um idioma é compartilhado por seus falantes e sua existência já não depende deles. O fato de falarmos o português no Brasil, e de nossos filhos aprenderem o mesmo idioma, em pouco tempo após terem nascidos, se dá pelo poder de coercividade do signo lingüístico, uma vez que não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo lingüístico” (CLG, 41).

Esse conjunto de características – generalidade, exterioridade e coercividade – fazem do signo um fato social no rigor da Sociologia positivo-funcionalista de Durkheim.

Outra característica fundamental do signo é a linearidade. Esta se dá em função do tempo de produção das ondas acústicas que o projetarão no espaço físico. Quando pronunciamos uma palavra, ela surge no vazio do tempo e preenche um determinado espaço de tempo que corresponde à duração de sua emissão. Após sua produção tudo é vazio novamente, o que pode ser representado por um sistema fechado que ocorre de um ponto ao outro na linha do tempo.

Não poderíamos deixar de mensionar algo sobre figura vocal, forma e valor. Até mesmo porque muitas confusões são feitas acerca destes conceitos.


Há quem confunda significante com figura vocal, o que seria um equívoco. O primeiro, como já pudemos observar, é parte indissolúvel do signo psíquico, e só tem existência na mente humana. O segundo diz respeito à produção fonológica ou à representação gráfica do signo quando este é tomado isoladamente; uma palavra fora da frase ou oração, por exemplo. Isto porque, no instante em que o signo perde a totalidade de suas significações, ele nada mais é do que uma figura vocal (ELG, 44).

A forma é a figura vocal no dado instante em que é introduzida no jogo de signos ao qual chamou-se língua (ELG, 38); é a palavra em uso.
Neste ponto, é bastante interessante saber que, para o gênio genebrino a palavra é o signo da idéia e a idéia o signo da palavra (ELG, 44), e, portanto, um signo só é numa situação comunicativa, seja ela mental ou social.

Saussure considerou que uma forma não significa, mas vale (...) e, por conseguinte ela implica a existência de outros valores. (ELG, 30).

Entenderemos melhor o sentido de valor da forma a partir do seguinte exemplo:
Tomemos uma moeda de R$ 1,00 (Hum real). O seu valor não é calculado pela quantidade de metal gasta em sua fundição, tão pouco pelo trabalho empregado para desenhá-la e fabricá-la. O seu valor é encontrado nas relações sociais de troca. Hoje, talvez, se consiga trocá-la por cinco pães franceses, e esse será o seu valor. Talvez, amanhã, devido a uma possível alta no preço do trigo no mercado interno, o seu valor seja o de apenas dois pães, ou, por conta de uma baixa do trigo, venha a ser de sete pães.

Tudo é muito relativo nas relações sociais de troca, assim como é relativo o valor lingüístico da forma. Uma forma, então, valerá, (significará) o que nenhuma outra significa dentro de uma mesma relação. E seu significado resultará da diferença de valor das formas.

Em suma, uma palavra é o resultado significativo de sua relação com as demais dentro de um enunciado. E apenas nessa situação, e em nenhuma outra mais, poderemos encontrar o seu valor (significado); dentro do contexto em que foi empregada.

O nosso próximo tema tratará da dicotomia Langue/Parole.

sábado, 15 de setembro de 2007

O signo pré-saussuriano...

Compreender as teorias dicotômicas de Saussure é tão importante quanto o entendimento do que significaram e que contribuições trouxeram não só para o estudo científico da linguagem como, também, para redefinir os pensamentos filosóficos e científicos vigentes até então.
Buscaremos tal compreensão a partir da teoria do signo saussuriano. Porém, se faz necessário saber que, desde a Grécia antiga, o signo vinha sendo motivo de especulações numa tentativa de desvendar a relação língua/pensamento/realidade, e, por isso mesmo, trouxe consigo uma sucessão de conceitos até atualidade.
Inicialmente, entre os gregos pré-socráticos se destacaram as considerações dos panteístas, da Escola de Eléas e Demócrito e seus seguidores:
Os panteístas concebiam o logos como uma inteligência divina que governava o universo. Para eles a palavra possuía uma função divina e também humana. Entendiam que linguagem, pensamento e saber eram inerentes ao homem.
Parmênides, membro da Escola Eleática, fundadora dos princípios básicos da Lógica, levou tal discussão além, afirmando serem o ser e o pensar a mesma coisa. Isto implica em que, ao pensar, o ser é e se manifesta pela linguagem, segundo princípios lógicos.
Demócrito e seus seguidores, a partir de sua teoria do atomismo, mudou o curso da discussão ao supor que a linguagem possuísse caráter convencional, uma vez que fora criada pelo homem para descrever as coisas ao seu redor, porém, considerou que os nomes surgiam da impressão que tinha a alma humana dos átomos da superfície das coisas.
Entre os pós-socráticos as considerações de destaque acerca do signo são de Platão e Aristóteles.
Platão, para quem o mundo real era uma pálida imitação do mundo das idéias, considerou, através, principalmente, do Diálogo de Crátilo, que a linguagem vem da natureza das coisas. E que essas mesmas coisas deverias ser nomeadas, imperfeitamente, por um legislador, dialético, dotado do dom de apreender, de tudo, sua natureza essencial.
Aristóteles, em oposição aos ideais platônicos, acreditava num mundo perceptível sensorial. Defendia que as funções intelectuais do homem possuíam caráter político, e deveriam ser desenvolvidas em sociedade. Dessa forma, a linguagem era fruto do convencionalismo - em que as categorias do pensamento coincidiam com as categorias da linguagem - e representaria a realidade na qual os homens se inseriam.
Para os sofistas o signo exercia uma função representativa sim, mas não a de representar a realidade ao redor, isto, porque, para eles, a linguagem não possuía compromisso algum com a verdade ou realidade circundante. No entanto, foram os Estóicos os primeiros a oferecer ao mundo uma teoria que considera três componentes integrantes do signo: o significante, o significado (ou sentido) e o objeto externo (referido).
Na Idade Média, Santo Agostinho retoma o caráter triádico do signico estóico.
Nessa mesma época, algumas teorias ganharam relevância: no período da escolástica, houve, por parte das autoridades clericais, uma tentativa de conciliar os pensamentos cristãos com a filosofia grega, principalmente a aristotélica. Inicialmente, a discussão se deu em torno dos universais e dizia respeito à questão do status ontológico e da relação entre os signos para conceitos genéricos e sua referência. O termo universal designava conceitos (idéias) de caráter geral. As correntes do realismo e nominalismo surgiram daí. A primeira afirmava serem os universais coisas reais, cuja existência estaria na pluralidade dos objetos individuais. A segunda, ao contrário, afirmava que só os indivíduos existiam na natureza, e que os universais seria apenas os nomes; as emissões vocais.
No séc. XVI, após o rompimento do pensamento filosófico com as doutrinas escolásticas, surgiu, na Península Ibérica, um discípulo de São Tomás de Aquino, João Poinsot (1589-1644), conhecido como João de São Tomás, que lecionara na Universidade de Salamanca e deixara um Tratado sobre os signos no qual fazia uma síntese filosófica entre a escolástica e a filosofia grega. Nele, propôs que a relação entre o signo e a capacidade cognitiva pode ser tanto formal quanto instrumental. Na primeira, o signo representa a si mesmo, na segunda, representa outra coisa, podendo fazê-lo por convenção ou costume.
Para o racionalismo francês de Descartes (século XVII) a estrutura do pensamento e da razão é comum a todos os homens, enquanto que a diversidade das línguas é apenas um fenômeno superficial porque os sons variam e as idéias são invariáveis. Ao priorizar o conhecimento intelectual sobre a experiência perceptiva, sobrepôs o sentido (conceito) à referência (coisa).
A escola francesa de Port-Royal desenvolveu uma semiologia que teve grande influência sobre o pensamento racionalista. Foram seus principais representantes: Antoine Arnauld (1612-1694), Claude Lancelot (1616-1695) e Pierre Nicole (1625-1695) que nos legaram dois textos fundamentais: a Grammaire générale et raisonnée (por Arnauld e Lancelot, em 1660) e La logique ou l’art de penser (por Arnauld] e Nicole, em 1662). Tal semiologia está fundamentada no modelo diático e mental do signo. Nele, estão combinadas a idéia da coisa que este representa e a idéia da coisa representada; ou, um par de entidades conceituais, em que, o significante é uma imagem do som.
Considerado um dos fundadores da lógica simbólica, o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) se concentrou nos signos visuais e escritos por tomá-los como caracteres que seriam representações mentalmente visíveis dos conceitos, antecipando em dois séculos as considerações signicas a serem feitas por Peirce.
Por fim, para Charles Sanders Peirce (1839-1914), o signo, seria uma combinação triádica, em que um dos elementos é o objeto, cujo sentido é construído por meio do representamen (a própria palavra) e do interpretante (idéia mental do intérprete).

Seguiremos com o signo saussuriano.


Bibliografia Consultada.

* Além das sugeridas pelo Lingüístic@.com

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. Trad. Izidoro Blikstein. 11 .ed. São Paulo : Cultrix, 1996.

Filosofia da Linguagem. Tradução Álvaro Cabral. Zahar editores, Rio de Janeiro.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg. 2. ed. São Paulo : Cultrix/ EdUSP, 1975.

PLATÃO. Teeteto. Trad. C. A. Nunes. Belém : Univ. do Pará.

SILVA, Deonísio. De onde vêm as palavras. 5. ed. São Paulo : Mandarim, 1997.

SOUSA, Maurício de. Mensagem de Paz. In: ––. Mônica. São Paulo: Globo, abril 1999, p. 53-62.